Por Vanessa Sene Cardoso
Recentemente, fui convidada pelo meu marido para fotografar o trabalho dele em um evento. Ah! Para quem não sabe, ele é DJ e trabalha com som e iluminação para eventos sociais e corporativos.
Um dia antes do evento...
— Vamos comigo! Seu nome está na lista de convidados, inclusive — ele me comunicou. — É uma festa à fantasia. SOCORRO! Eu tinha menos de 24 horas para arrumar um traje.
Pensei em algumas possibilidades, até que lembrei de pedir ajuda para uma amiga, que trabalha com teatro e tem uma vasta coleção de figurinos.
— Claro que empresto! — disse com a maior prontidão.
Depois de olhar várias possibilidades no camarim, já estava quase desistindo, quando olhei uma bata no cabide. É a minha cara, pensei.
Me arrumei, fomos para o evento.
— Que tal? — perguntei para meu marido. Ele riu e disse que eu estava fantasiada de mim mesma. Só esclarecendo: hippie.
Publiquei uma foto minha no instagram. Alguns amigos comentaram, e quando falei do que se tratava o evento, todos disseram: não percebi que você estava fantasiada. Achei interessante, porque as pessoas da minha convivência conhecem meu gosto alternativo, o estilo de vestuário.
Esse episódio me fez refletir como é bom ter relacionamentos nos quais nos deixamos conhecer e nos propomos a conhecer o outro. Em tempos de tanto individualismo, quando as pessoas vivem o paradoxo da exposição nas redes sociais, ao mesmo tempo que cultivam relações superficiais e sem intimidade, vale a pena investir e aprofundar os relacionamentos em família, com amigos.
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Case com o sapo
Por Vanessa Sene Cardoso
Príncipes e princesas sempre povoaram o imaginário das meninas, alimentado pelos contos de fadas passados de geração a geração. “O sapo virou príncipe”. Quem nunca ouviu essa expressão? Ela vem de uma história que, apesar de ter diferentes versões, sempre resulta em uma ação da princesa que quebra o feitiço do príncipe aprisionado no corpo do sapo.
Quero fazer uma reflexão sobre o príncipe encantado. Na pré-adolescência, as meninas começam a despertar para os sentimentos românticos, surgem as paixonites, e é comum essas emoções reais se misturarem com a ficção. O chamado amor platônico transforma o alvo do interesse em príncipe encantado. Nessa fase é comum o sentimento ficar apenas no campo do sonho e da fantasia. Com o passar do tempo, a imaginação cede lugar para os movimentos naturais das relações humanas: paquera, namoro, casamento.
No entanto, existem mulheres adultas à espera do príncipe encantado, mesmo sem admitir ou perceber essa condição. Essa expectativa tem paralisado e impedido que elas vivenciem relacionamentos reais e saudáveis, com seus momentos de desafios, tristeza, dificuldades; mas recheados de alegria e satisfação. Assim é a vida...
O sapo, de maneira geral, não é considerado um animal atraente; pelo contrário, causa repulsa, medo. E, muitas vezes, também nos mantemos afastadas quando a aparência não nos agrada. Como vamos saber se o príncipe não está escondido na carcaça do sapo, se não permitirmos a aproximação? Todos nós temos nossa versão “sapo” e nossa versão “príncipe”, ou seja, ninguém é perfeito, temos qualidades e defeitos. E a grande magia do relacionamento é aprender a conviver e apreciar o outro como ele é.
Se você está à espera do príncipe, quero deixar uma dica: dê uma chance para o sapo! Quem sabe você vai descobrir que ele guarda dentro de si algo muito melhor do que o idealizado e inatingível. Acima de tudo, dê uma chance a você mesma!
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Ideal X real
Por Vanessa Sene Cardoso Meu sonho é ter o emprego ideal, o casamento ideal,
a família ideal, e por aí vai. Qual ideal você busca? Ou melhor, como define
ideal? Estamos sempre à procura dele. E, muitas vezes, ficamos à espera da
condição ideal em algumas áreas de nossa vida e, sem perceber, permanecemos
paralisados.
O dicionário Priberam define ideal como “aquilo que
só existe na ideia ou imaginação; que reúne toda a perfeição imaginável”. Em
suma: é algo impossível. Então, por que persistimos nessa busca?
O ideal é algo que já vem pronto, acabado; não
precisa ser construído, não requer esforço, renúncia, batalha; talvez essa seja
a razão de vivermos na expectativa de atingir esse estágio.
Quer ver um exemplo? “E foram felizes para sempre”,
essa é a mensagem final de muitos filmes e livros românticos. E há quem entre
em um relacionamento com essa expectativa, até cair na rotina e ver seu castelo
ruir. Talvez esse seja o ponto de partida para uma condição real e verdadeira
no relacionamento. E aí, sim, com a perspectiva renovada, podemos constatar que,
apesar das imperfeições, é possível ser feliz para sempre, vivendo no mundo
real.
Isso se aplica a todas as áreas da nossa vida.
Muitas vezes, somos tão exigentes que não conseguimos sair do lugar, ou
sofremos quando não alcançamos o status
que consideramos ideal. Não se deixe paralisar! O fato de nunca atingirmos a
perfeição nos permite avançar sempre, e não acomodar. Viu só? Estamos todos no
mesmo barco!
Quando vivemos no mundo real, descobrimos que ele é o ideal,
porque, apesar das imperfeições, a realidade existe.
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Quando a exceção é a regra
Por Vanessa Sene Cardoso
“Vivemos num mundo de exceções”.
Você já ouviu essa afirmação? Vamos iniciar este texto abordando a necessidade
das regras. Elas existem para organizar as instituições, para resguardar
direitos e deveres, para o bom convívio em sociedade, para moderar as relações
humanas. São apenas algumas finalidades, mas já servem para dar corpo à nossa
reflexão.
O código de trânsito é um
exemplo. Se não existisse, com certeza, haveria mais acidentes do que já existem
hoje. E eles normalmente acontecem quando alguma regra é infringida. Mas há
quem compre a exceção por meio de atos de corrupção, buscando se livrar da
punição, oferecendo algo aos agentes fiscalizadores.
Assim como temos o direito de nos
reunir, ouvir música, realizar eventos; temos o dever de respeitar o repouso do
nosso vizinho. Em condomínios, por exemplo, depois das 22h não se pode fazer
barulho. Mas se está tão divertido, porque não podemos estender a festança?!
Para quem não tem consciência sobre o direito do outro, vale advertência e
multa. Como dizem: é só mexer no bolso, que essa linguagem todo mundo entende.
Por que queremos fazer parte da exceção?
Você já pensou nisso? Simples! Sejamos honestos: porque pensamos mais em nós
mesmos do que nos outros. A gente tem muitos argumentos para justificar o
desejo de ser exceção. É difícil admitir que não queremos viver sob o limite
das regras. As exceções existem sim, há casos e casos. O problema é quando fazemos
dela a regra.
Não façam nada por interesse pessoal ou vaidade, mas por humildade,
cada um considerando os outros superiores a si mesmo, não tendo em vista
somente os seus próprios interesses, mas também os dos outros (Filipenses
2.3-4). Essa orientação do apóstolo Paulo aponta para o nosso modelo de conduta:
JESUS.
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Saindo do convencional
Por Vanessa Sene Cardoso
Já estamos às portas do último mês de 2022. Não sei para você, mas para mim o ano passou num piscar de olhos. Lembro-me, como se fosse hoje, quando mostrei minha singela decoração de Natal do ano passado para minha sobrinha e ouvi o seguinte comentário:
– Dedé, essa decoração é improvisada, né?!
Fiquei surpresa com a interpretação dela e respondi, de forma descontraída:
– Improvisada, não! Alternativa.
Ao mesmo tempo em que achei engraçada a observação dela, serviu de reflexão sobre o ponto de vista em relação às situações com as quais nos deparamos em nosso dia a dia. Nossa percepção do mundo, das atitudes das pessoas, das circunstâncias está baseada em nosso sistema de valores, nas crenças, no que foi ensinado para nós, no contexto em que estamos inseridos, em nosso histórico de vida. Cada um se acomoda dentro da sua caixa e, através dessa moldura, tenta assimilar o que acontece lá fora.
Só que com o passar do tempo e com as experiências, percebemos que a vida não é quadrada. No entanto, sair da nossa caixa confortável exige esforço, mas se desejamos fazer isso, a vontade é meio caminho andado. Quando isso acontece, somos enriquecidos, experimentamos liberdade e a vida se torna mais leve. Vale a pena!
O próprio Jesus nos deixou o exemplo; basta ler os evangelhos e constatar. Em Lucas 18.15-17, está escrito: Traziam-lhe também as crianças, para que as tocasse; e os discípulos, vendo, os repreendiam. Jesus, porém, chamando-as para junto de si, ordenou: Deixai vir a mim os pequeninos e não os embaraceis, porque dos tais é o reino de Deus. Em verdade vos digo: Quem não receber o reino de Deus como uma criança de maneira alguma entrará nele. Na época, as crianças não eram sequer contadas, não eram valorizadas na cultura. O Mestre, porém, tinha outro olhar sobre elas.
Tenho aprendido a usar outras lentes para enxergar o mundo ao meu redor. Observar uma situação de diferentes perspectivas não faz com que a essência perca espaço para a embalagem.
A foto que ilustra este artigo é uma planta sufocada por penduricalhos ou uma decoração de Natal alternativa? Experimente sair da caixa!
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Em 2019, meu namorado me inspirou
Por Vanessa Sene Cardoso
Nesta última manhã de 2019 recebi um vídeo do meu namorado em que um cachorro, com seu latido, enfrenta um leão e sua companheira. Quem postou o vídeo em uma rede social usou a seguinte legenda: “Quando alguém é sem noção”. O Ricka, ao compartilhar comigo, escreveu: “Eu tô igual ao cachorrinho”. Era uma brincadeira que, a princípio, até não achei muita graça.
Em seguida recebi em um grupo de Whatsapp uma mensagem de despedida do ano que se vai, e encorajamento para o que se aproxima, com base no texto de Josué 1.9:“Lembre da minha ordem: ‘Seja forte e corajoso! Não fique desanimado, nem tenha medo, porque eu, o SENHOR, seu Deus, estarei com você em qualquer lugar para onde você for!’”(NTLH).
O vídeo e o texto bíblico parecem não ter nada a ver um com o outro, mas a frase bem-humorada do meu namorado fez uma conexão entre os dois. Coragem, ânimo, fé e confiança em Deus foram marcas na vida dele ao longo de 2019 e que me inspiraram. As batalhas foram muitas, mas, realmente, o Ricka não se intimidou. Agiu como o protagonista do vídeo: foi para cima das ameaças e adversidades cotidianas; assim como Davi enfrentou Golias, em nome do Senhor dos Exércitos e não com “armas” ou apenas recursos humanos (1 Samuel 17.37-50).
Em Deus, nossos recursos são potencializados; os “cinco pães e dois peixes” são multiplicados. E a fé depositada na pessoa certa – Jesus – nos faz experimentar o impossível.
"Aqui está um rapaz com cinco pães de cevada e dois peixinhos, mas o que é isto para tanta gente?"
Disse Jesus: "Mandem o povo assentar-se". Havia muita grama naquele lugar, e todos se assentaram. Eram cerca de cinco mil homens.
Então Jesus tomou os pães, deu graças e os repartiu entre os que estavam assentados, tanto quanto queriam; e fez o mesmo com os peixes.
Depois que todos receberam o suficiente para comer, disse aos seus discípulos: "Ajuntem os pedaços que sobraram. Que nada seja desperdiçado".
Então eles os ajuntaram e encheram doze cestos com os pedaços dos cinco pães de cevada deixados por aqueles que tinham comido (João 6.9-13 – NVI).
Com esse episódio da vida de Jesus, encerro meu artigo. Que em 2020 tenhamos coragem e fé em Deus para seguir em frente cumprindo o propósito dele para nossa vida.
Ricka, você tem muita NOÇÃO da vida em Cristo. Feliz Ano Novo!
Assista ao vídeo do cachorrinho corajoso...rsrsr aqui.
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A lente que usamos
Hoje vou contar a história de uma menina chamada
Borboleta. Ela teve uma infância muito feliz, nasceu em um lar estruturado –
longe da perfeição, pois não existe família perfeita –, recebeu amor, afirmação,
teve pais presentes, que lhe ensinaram valores cristãos. Tinha uma grande parentela,
com muitos tios, tias, primos, primas, avós, amigos... Suas férias sempre eram
incríveis. Borboleta era uma garota criativa, gostava de brincar e, como muitas
crianças, também convivia com suas histórias e personagens imaginários. Era
alegre, sorridente e comunicativa. Sempre foi boa aluna e muito dedicada.
Por causa do trabalho do pai, Borboleta mudou de
cidade algumas vezes. Se por um lado conheceu lugares e pessoas diferentes, por
outro sentia vontade de criar raízes. A cada nova escola ou vizinhança, embora
acabasse se adaptando, a princípio sentia-se uma forasteira entre as outras
crianças, pois a maioria tinha nascido e vivia na mesma cidade.
Quando estava entrando na adolescência, Borboleta mudou
novamente de cidade e, consequentemente, de escola. Foi uma fase difícil, de
muitas mudanças: física, emocional, cultural
(morava em um estado e mudou para outro com costumes um pouco diferentes); busca
por autoafirmação, autoconhecimento, sentido existencial, o que é normal nesta
faixa etária. A adolescência também é uma fase em que se procura aceitação no
grupo, senso de pertencimento em um ambiente de relacionamento com os “iguais”.
Pois bem, esse era o contexto de Borboleta naquela época. Era muito tímida, fazia
de tudo para não ser notada. Na nova escola, a maior parte da turma tinha em
comum a trajetória escolar, as crianças estudavam juntas desde o início da vida
acadêmica, a amizade extrapolava o muro do colégio. Borboleta acabou se
aproximando daquelas que, como ela, eram novatas naquele ambiente.
Borboleta tinha um semblante que refletia sua
condição emocional – na época – carregada de uma certa melancolia. Na maior
parte das vezes era séria, achava algumas brincadeiras meio tolas, se irritava
com o comportamento maroto de outras crianças, não sorria muito nas fotos. A
alegria da infância se converteu em um sentimento de inadequação e desconforto emocional.
Se tornou muito fechada. Na escola encarava alguns comentários e atitudes dos
colegas como algo depreciativo, deboche. E, realmente, crianças quando querem
sabem ser cruéis. Borboleta reagiu a tudo isso criando uma cerca, onde só
permitia o acesso de pessoas muito chegadas e que não representavam ameaça.
Muitos anos
depois...Na vida adulta...
Ao entrar na juventude, Borboleta carregou durante
alguns anos a impressão equivocada sobre si mesma que construiu na fase de
transição da infância para a vida adulta. Sua autoimagem era distorcida, o que
interferia na autoestima e na forma como se projetava nos diferentes meios em
que estava inserida, bem como na forma como se relacionava com os outros. Enxergava
as circunstâncias, as pessoas, o ambiente e a si mesma através da lente que
passou a usar na adolescência.
Os valores e ensinamentos que recebeu dos pais, principalmente,
sobre a fé cristã e a pessoa de Jesus foram determinantes para que passasse a
enxergar com nitidez e verdade quem realmente era. Quando decidiu substituir a
lente que distorcia sua visão pela lente cristalina do Espírito Santo percebeu sua
verdadeira imagem. O amadurecimento e o senso de identidade em Cristo fizeram
com que Borboleta abandonasse a antiga forma de ver e interagir com o mundo (2
Coríntios 3.18).
Com o passar do tempo Borboleta percebeu que naquela
fase difícil a lente que usava impediu que enxergasse o mundo, as pessoas e as
circunstâncias de forma positiva. Com a bênção da maturidade pôde entender que as
pessoas não usavam a mesma lente que ela. A reaproximação anos mais tarde com
alguns colegas permitiu uma reconciliação com aquele passado, o que se tornou
possível em função da ausência de sua antiga lente.
Reflexão
Uma mesma situação é vista de diferentes maneiras, dependendo
da lente que a pessoa usa. Essa lente é composta pela história de vida, crenças,
ambiente em que se está inserido, relacionamentos, temperamento, personalidade, etc... Nem sempre ela nos
faz enxergar as coisas como realmente são. Com a maturidade trocamos as lentes,
mas há quem resista em permanecer enxergando as coisas da mesma forma. Uma
questão de escolha!
Quando nos relacionamos com Jesus e permitimos que
ele viva em nós, nossa visão vai sendo transformada, à medida que amadurecemos.
Isso é graça! É um presente de Deus!
Borboleta, na verdade, era uma lagarta que, no
processo natural da vida, criou asas e voou. Experimente sair da zona de
conforto!
Fotos: Vanessa Sene Cardoso
Só observando... Que lente você usa?
Preconceituoso, eu?!
Você se considera preconceituoso? A resposta politicamente correta é não. Mas se usar de honestidade, ainda que seja consigo mesmo, talvez admita um certo conceito pré-estabelecido. Veja bem, não se trata de preconceito.
Convido você a bisbilhotar conversas de algumas pessoas. O que acha?
— Imagina! A vida dos outros não me desperta curiosidade.
Neste caso não tem problema, pois são apenas personagens fictícios e “nada” tem a ver com a realidade. Vamos!
— Não é do meu feitio, mas já que você insiste...
No ônibus
Segunda-feira, 7 horas da manhã, Adélia esperava, no ponto, o ônibus para o trabalho. Estava em cima da hora e isso lhe causava irritação, uma vez que tinha por hábito chegar adiantada pelo menos dez minutos. Ainda por cima, tinha uma fila para entrar no coletivo. Finalmente conseguiu. Que aperto! Alguém que estava um pouco atrás dela puxou assunto.
— Adélia, tudo bem?
— Oi, Sílvia.
— Menina, você sabe o motivo da fila para entrar no ônibus?
— Ah! É que aquela moça gordinha ali ficou entalada na roleta.
— Sério?
— A vida de uma pessoa gorda é tão complicada, né?! Devia tomar vergonha e fazer um regime.
— Não é tão fácil. Eu já fui obesa, fiz tudo quanto é tipo de regime e não consegui perder peso. A solução para o meu caso foi a cirurgia de redução do estômago.
Adélia ficou sem resposta e as duas seguiram sem trocar mais nenhuma palavra até a parada final.
Na praça de alimentação do shopping
Era um sábado à tarde e depois de saírem do cinema, Márcia e Dora decidiram tomar um lanche.
— Quanta gente, Dora!
— É mesmo. Estou vendo uma mesa ali.
As duas se acomodaram. E enquanto lanchavam, observavam o movimento. Pessoas bem vestidas, aparentando boa condição financeira, logo renderam comentários.
— Sabe Márcia, eu vejo essas pessoas passeando aqui e penso: “quanta futilidade!”
— Por quê?
— Muitas delas não sabem o que é lutar na vida. Está vendo aquela moça de verde ali? Aquela toda arrumada, cheia de joias, roupa de marca, e óculos de sol - aliás não sei por que usar óculos de sol em ambiente fechado - ela nem olhou para a mulher que está recolhendo o lixo ao lado da mesa dela. Quanta arrogância!
— Mas a mulher da limpeza falou com ela?
— Não vi.
— Por que o comentário então?
— Sabe porque esse tipo de atitude me incomoda, Márcia? É que eu nasci numa família pobre, perdi meus pais quando era adolescente, tive que batalhar muito para estudar, conseguir um emprego e ainda hoje, luto com dificuldade. Quando você passa por privações, fica mais aberta e sem preconceitos. Por isso quando eu vejo pessoas que nunca precisaram lutar por nada, receberam tudo de bandeja, e ainda ignoram os outros, eu fico inconformada.
— Realmente algumas pessoas se acham melhores que as outras, mas isso não necessariamente tem a ver com condição financeira. Se não me engano, aquela moça de verde é uma amiga da minha chefe e ela tem um problema de visão, é quase cega. Neste caso a sua indignação não faz sentido, Dora.
Depois do comentário de Márcia, a conversa acabou e as duas terminaram o lanche observando em silêncio o movimento na praça de alimentação.
Na fila do banco
Era segunda-feira, quase meio-dia, Carlos e Roberto se encontraram na fila do banco.
— Cara, que movimento! Carlos iniciou a conversa.
— É verdade. Ainda por cima não entendo por que os idosos costumam vir retirar a aposentadoria bem nesse horário. Eles têm tempo de sobra e a gente apenas o horário de almoço para vir ao banco. Eu fico irritado, desabafou Roberto.
Um pouco mais à frente, na fila, havia dois rapazes falando alto, rindo, pareciam nem se incomodar com a demora. Estavam se divertindo. Um deles era alto, forte, usava uma camiseta regata branca exibindo os músculos; o outro era franzino, com trejeitos efeminados.
Roberto olhou para os rapazes e disse a Carlos:
— Olha só o jeitinho daqueles dois, que pouca vergonha!
— Ué, aquele de branco não é o seu primo? Aquele que indicou você para esta empresa em que está trabalhando?
Roberto não tinha percebido que era o seu primo um dos rapazes. Ficou desconcertado, inventou uma desculpa, disse que acabava de se lembrar de um compromisso. Quando ia saindo ouviu alguém lhe chamar:
— Ei, primo.
Roberto, meio sem jeito, se aproximou do rapaz na fila.
— Desistiu de esperar?
— Lembrei que tenho um compromisso. Vou deixar para descontar o cheque depois.
— Se quiser eu desconto pra você e deixo lá na empresa. Aliás, como vai o novo emprego?
Na porta do bar
Gil e Marcelo haviam combinado de encontrar Valmir na porta do bar onde tomariam alguma coisa antes de ir pra balada. Enquanto aguardavam o parceiro, observavam a igreja do outro lado da rua, bem em frente ao bar.
— Gil, eu acho esse povo tão bitolado, fundamentalista. Eu não entro em igreja por nada neste mundo.
— Muitos evangélicos são mesmo alienados, se acham donos da verdade, mas alguns são “gente boa”, como a minha avó. Ela nunca condenou meu estilo de vida.
— Eu não gosto de crente. Sou favorável a leis que ponham um freio nessa gente preconceituosa, afinal de contas liberdade de expressão é válida apenas para quem sabe usar.
— Em parte concordo com você. Mas quem é capaz de determinar o “bom uso” da liberdade de expressão? Será que existe um legislador ou juiz totalmente imparcial para isso? Muitos usam o conceito de liberdade de expressão para legitimar o preconceito seja de que lado for.
Gil e Marcelo foram interrompidos abruptamente por Valmir que se aproximou ofegante.
— Está tendo uma troca de tiros entre polícia e assaltantes ali na esquina. Levei um tiro de raspão. A coisa está feia. Vamos entrar no bar.
— Aqui não — disse o segurança barrando a entrada dos rapazes — não queremos confusão.
Apavorados, atravessaram a rua correndo e entraram na primeira porta aberta que encontraram.
— O que aconteceu? — perguntou um homem grisalho e sorridente no saguão da igreja.
— Está tendo uma perseguição policial aí na rua. Meu amigo levou um tiro de raspão, disse Marcelo apontando para a perna de Valmir.
— Entrem e tomem um chazinho para acalmar – disse o senhor – quanto ao seu amigo, vamos cuidar do ferimento.
E aí, o que achou da vida alheia?
A questão é que nos colocamos como padrão e olhamos para os outros através dessa lente. Será que ela não é uma trave? (Mateus 7.1-5). Jesus é o modelo para os que são dele, sendo assim, devemos distinguir o comportamento, da pessoa. Posso não concordar com o outro, mas não preciso rejeitá-lo por isso. Vale sempre lembrar que a função de julgar não é nossa e por isso somos péssimos nesse ofício.
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Comunicação na mediação de conflitos
Por Vanessa Sene Cardoso
Era sexta-feira, fim de tarde, Clarice e Júlia estavam na sala do gestor, sentadas de frente para ele, apreensivas, aguardando o confronto que vinha sendo prorrogado por seis meses. A situação havia chegado ao limite.
Voltando no tempo. Como tudo começou.
Clarice era secretária da Igreja há onze anos. Gerenciava a rotina administrativa, cuidava da agenda do pastor titular e dos dois pastores assistentes, organizava os eventos, enfim, fazia de tudo, era aquele tipo de funcionária que todo chefe gosta: “mil e uma utilidades”. Tinha segundo grau completo e muita experiência. Era competente, organizada, discreta e de fácil relacionamento. Nunca havia se desentendido com os colegas de trabalho. Todos a admiravam e a tinham como referência. Passava o dia todo na Igreja e, às vezes, quando tinha alguma programação especial, ou quando não dava conta de resolver as pendências em horário de expediente, ficava até mais tarde. Já não tinha tanto tempo para a família e lazer, os primeiros sinais do stress começavam a aparecer.
Com o crescimento da Igreja, mais um pastor estava chegando; agora seriam quatro. Clarice não tinha o perfil contestador nem mesmo gostava de expor suas limitações. O que lhe chegava às mãos era feito com dedicação. Mas como ela andava cansada, tinha algumas falhas de memória, percebeu que precisava tomar uma atitude. Procurou o gestor.
— Com a chegada de mais um pastor será necessário alguém para dividir as tarefas.
Por mais que isso lhe fosse difícil, Clarice precisou admitir que não estava mais dando conta do serviço sozinha.
— Você tem razão — disse o gestor — vamos contratar mais uma secretária.
Clarice ficou satisfeita com a solução para sua sobrecarga de trabalho.
Na segunda-feira seguinte, como de costume, oito horas em ponto estava na sua sala. Clarice era muito detalhista e observadora, gostava de tudo no lugar. Qual não foi a surpresa ao encontrar em cima de sua mesa, uma enorme bolsa pink metálica. Aquilo chamou sua atenção.
De repente escutou uma gargalhada que vinha da cozinha.
— Eu amei esse filme também, pastor, é muito engraçado.
Clarice que só entrava na cozinha, que ficava no fim do corredor, quando ia buscar café para servir às pessoas, não aguentou a curiosidade e foi espiar. A dona da gargalhada era uma jovem de uns vinte e poucos anos, cabelo extremamente curto, um corte desalinhado, mas o que mais chamava a atenção eram as unhas da moça, exibindo um esmalte verde. O que era aquilo?! A moça segurava uma xícara de café e entre um gole e outro conversava com o pastor titular da Igreja, na maior descontração.
Pof...
— Que barulho foi esse? — perguntou o pastor. Vinha do corredor.
Os dois foram ver o que se passava e deram de cara com Clarice agachada resgatando o quadro com a foto dos presbíteros que havia despencado da parede.
— Desculpe, pastor — disse ela sem jeito.
— O que você está fazendo aí? — questionou o pastor — venha tomar um café conosco, agora você terá mais tempo para isso, pois essa é sua nova colega de trabalho.
— O que? — Clarice não conseguiu disfarçar o espanto.
— Meu nome é Júlia, muito prazer.
Júlia era recém-formada em secretariado executivo, e este era seu primeiro emprego na área. Apesar da formação universitária não tinha experiência. Era uma jovem alegre, descontraída e que valorizava, acima de tudo, os relacionamentos. Gostava de conversar, atender as pessoas, falar ao telefone. Em sua visão esticar um pouco mais a conversa não era perda de tempo. Júlia também era muito criativa, mas um tanto desorganizada. Por mais que tentasse, não conseguia manter sua mesa arrumada. Sempre sobrava um papel ou um envelope fora do lugar. Na primeira semana de trabalho já conhecia todo mundo, sabia um pouco da vida de cada um. Júlia passou a ser a queridinha da Igreja, embora devido a seu temperamento impulsivo, às vezes, tinha alguns atritos, mas tudo terminava bem, exceto com relação à pessoa mais próxima no trabalho.
Clarice andava calada, já não tinha tanta paciência com as pessoas. Ficava irritada com tudo. Não podia nem ouvir a risada de sua colega, que ficava à beira de um ataque de nervos. Aquela bagunça de Júlia a tirava do sério. Ela, que sempre fora uma pessoa calma, conciliadora, não entendia suas reações. Afinal de contas agora tinha alguém com quem dividir o trabalho. Mas essa mudança mexeu em sua zona de conforto. As coisas foram piorando e as duas já não conversavam. O gestor percebendo a situação chamou as duas.
— O que está acontecendo?
Júlia começou.
— A Clarice é conservadora, não liga para as pessoas, pega no meu pé o tempo todo, é muito competitiva, acha que invadi o espaço dela...
Antes que terminasse foi interrompida.
— Júlia é imatura, impulsiva, em vez de se concentrar nas tarefas, fica de conversa fiada com todo mundo.
Durante uma hora o gestor ouviu, em silêncio, o desabafo das duas secretárias. Elas falaram das mágoas que foram acumulando, confessaram o que uma pensava da outra, choraram. Fez-se silêncio e as duas fixaram os olhos no gestor aguardando uma solução para o conflito instalado.
— Vocês são completamente diferentes. Como todo mundo, têm suas qualidades e defeitos, e se completam.
Nessa hora as duas se entreolharam assustadas, mas foi como se seus olhos se abrissem. Os membros e órgãos ligados dão vida ao corpo conforme o texto de 1 Coríntios 12. Cada parte é importante.
Clarice e Júlia se dispuseram a ser sinceras e respeitar uma a outra, buscando no diálogo e na transparência a solução de conflitos.
A comunicação se torna eficaz na mediação de conflitos quando há uma pré-disposição das partes em dialogar de forma transparente e respeitosa apesar das diferenças, com o objetivo de servir a Deus e ao próximo. Pense nisso!
"As palavras, tanto faladas quanto caladas, são essenciais" (Philip Yancey).
25.10.15
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