Por Vanessa Sene Cardoso
Deus não só ouve as
orações, como faz infinitamente mais do que pedimos ou pensamos, segundo o seu
poder que opera em nós.
“Pai, criei minha filha
aos teus pés e a quero de volta”, essa era a oração fervorosa de Isaura, em uma
das muitas madrugadas em que, de joelhos, esperava a jovem chegar em casa.
Foram longos anos aguardando a resposta dessa oração.
Convido você a acompanhar
a trajetória da filha de Isaura. Ela passou a primeira infância em Pirapozinho,
interior de São Paulo. Era feliz. Os pais, cristãos, transmitiam pelo
testemunho e pelos ensinamentos, a sua fé aos filhos. Realizavam diariamente o
culto doméstico, o que deixou marcas profundas na vida da filha. Algum tempo
depois mudaram-se para Londrina. Eram tempos de guerra. A família frequentava a
Igreja Presbiteriana Independente que, na época, era pastoreada pelo Rev. Jonas
Dias Martins. A filha de Isaura foi batizada por ele e muito influenciada por
seus ensinamentos. Durante a infância e adolescência foi muito envolvida na
Igreja, com a mocidade, visitando as famílias e os lares necessitados. Aos 18
anos recebeu Jesus como Salvador e Senhor e fez a pública profissão de fé.
Pouco depois decidiu ir
para São Paulo. Tinha muitos sonhos. Começou a estudar e logo arrumou um emprego.
Aquela nova vida afastou-a de Deus. Ingressou na faculdade e começou a
prosperar na área profissional, tendo um salário que proporcionou a ida de seus
pais para a capital paulista. Por outro lado tinha uma conduta desregrada, com
noitadas, uso de drogas, relacionamentos com vários homens. Chegou a se casar,
mas pouco tempo depois veio o divórcio. Durante esse período, Deus usou algumas
formas para falar com a jovem, mas ela estava resistente. Depois de um tempo
voltou a frequentar a igreja, porém manteve uma vida dupla. Passou a fazer uma
escola bíblica, mas somente dois anos depois teve um reencontro com Deus que
mudou o curso de sua vida. Deus respondeu a oração de Isaura e resgatou sua
filha, Delci Esteves dos Santos.
Ao final do curso, Delci
participou de um seminário de missões. Perguntou ao diretor da Missão
Antioquia, Pr. Jonathan Ferreira dos Santos, se havia algo que uma mulher de 37
anos, divorciada e sem filhos poderia fazer pela obra missionária. A reposta
veio por meio de uma pergunta:
- Você se lembra de
quantos anos Moisés tinha quando Deus o chamou?
- Sim, pastor, 80 anos.
- Você tem menos da
metade disso e, portanto, para mim, está qualificada!
Em 1980 começou a
trabalhar como voluntária, duas noites por semana, na Missão Antioquia. Mas com
o passar do tempo foi desafiada a abandonar o bom emprego de muitos anos, sua
carreira sólida e o ótimo salário, para se dedicar tempo integral. Vendeu o
apartamento, e apesar de ter recebido do chefe a proposta de salário dobrado,
não aceitou. Foi viver na sede da Missão, onde atuava como secretária, cuidava
da parte administrativa, e ainda participava da escala da limpeza e outras
atividades. Detalhe: não recebia honorários por isso. Era uma vida em
comunidade, sem luxo, com pouca privacidade, uma ótima oportunidade para ter o
caráter aperfeiçoado. Não foram poucas vezes que questionou a Deus e pensou em
desistir. De temperamento forte e independente, aprendeu a duras penas,
depender de Deus e buscar, em oração, a direção nas decisões. Quando a Missão
Antioquia inaugurou o Vale da Bênção em Araçariguama/SP, teve que ficar alojada
por alguns anos em uma barraca. Tudo isso fazia parte do treinamento prático
para o futuro que o Pai lhe havia reservado. Logo em seguida foi enviada para
representar a Missão na Inglaterra onde permaneceu por quatro anos até retornar
ao Brasil para organizar o congresso da COMIBAM – Comissão Missionária
Ibero-Americana. Durante o evento foi desafiada a ir para Moçambique, onde
precisavam de missionários que falassem português. Deus confirmou para Delci
que a queria na África. Em 12 de junho de 1989 ela embarcou. A princípio atuava
como professora de escola bíblica para treinamento de obreiros e pastores.
Moçambique estava em
guerra. A situação era triste. Muitas crianças órfãs viviam pelas ruas, expostas
a todo tipo de atrocidades. Apesar de nunca ter se interessado por crianças,
Delci foi tocada por Deus - ao ver a cena de um garoto dormindo na calçada - e
teve seu olhar voltado para elas, às quais começou a oferecer leite e pão,
tendo uma árvore como ponto de encontro semanal para ensinar sobre Jesus. A
cada sábado chegavam mais crianças. Delci doava metade do seu sustento para
alimentar os pequenos. Mas a situação estava ficando difícil.
Ela orou para que o
Senhor desse um local para abrigar aquelas crianças. Deus abriu as portas, e a
missionária recebeu a quantia exata para comprar uma casa, reformá-la e
concretizar o processo de registro da instituição. Nessa época já contava com o
apoio de Alfredo Banzima, um dos primeiros frutos do seu trabalho, como
professora de escola bíblica. Já instalados na sede do projeto, certo dia, ao
observar as crianças chegando em fila, as menores nas costas das maiores,
exclamou: “Parecem formigas!” E Deus a fez lembrar de Provérbios 30.25: A formiga é um povo indefeso, que, no verão,
prepara sua comida. O Espírito Santo lhe disse: “Quem vai preparar o
inverno dessas crianças?” Delci, prontamente, respondeu: “Deus, estou aqui para
isso”. Assim nasceu a Casa das Formigas – centro de apoio à criança, inaugurada
em 21 de fevereiro de 1991. A instituição chegou a atender 500 crianças em
tempo parcial e algumas internas, oferecendo assistência escolar, alimentar, de
saúde, bem como ensino da Palavra de Deus. Muitos já se formaram no ensino superior,
constituíram família e, atualmente, a Casa das Formigas tem na sua diretoria
Simione e Graciete Mate, frutos do seu trabalho missionário.
Isaura dizia à filha que
só retornasse ao Brasil quando Deus ordenasse. Delci queria morrer na África,
pois se considerava uma “nativa”. Mas os planos de Deus eram outros. Em 25 de
abril de 2016, nossa irmã, já doente, retornou ao Brasil para receber os
cuidados de que necessitava. Veio para o Lar Maria Tereza Vieira, em Londrina,
em dezembro, onde comemorou seus 79 anos, e duas semanas depois do aniversário,
no dia 18 de janeiro de 2017, completou sua carreira na terra, como disse o
apóstolo Paulo. Foi para a casa do Pai.
Delci deixou marcas na
vida de muitas pessoas. Sua história está registrada no livro “Deus sabe o que
faz”, publicado pela Missão Antioquia em 2014, e disponível na Livraria, no
Espaço Esperança. A biografia foi dedicada à sua mãe, que por toda vida orou
para que Delci fosse missionária.
Vale a pena conhecer mais
a fundo o testemunho de nossa querida Delci que decidiu viver para Cristo e
seguir o conselho da mãe: “Assim, obedecei suas ordens sem discutir”.
Deus fez infinitamente
mais, Isaura.